Talvez fosse melhor pedir demissão
Talvez fosse a hora de fazer aquela viagem
Talvez fosse a hora de terminar aquele livro
Talvez fosse a hora de contar todas as verdades
Talvez fosse o dia de trepar com a tal vizinha
Talvez fosse uma boa tarde para mergulhar nu no mar
Talvez fosse a hora de gritar
Mas ele não fez nada disso
Aproveitou a hora do almoço para caminhar
Continuou de paletó, mas acanhadamente tirou os sapatos e as meias
Caminhou até chegar em casa
Era uma casa bonita, bem parecida com aquelas desenhadas pelas crianças no jardim da infância
Não havia ninguém
Sentou-se na sala, próximo à mesa de centro
Da pasta tirou papel e caneta
Escreveu dois bilhetes, levantou-se e foi até a cozinha com os papeis na mão direita
Colocou-os sob imãs na geladeira.
Uma banana e um anuncio de uma distribuidora de água mineral
Foi até o quarto. Um bom tempo parado diante da porta
Respirou tão fundo que as lágrimas quase transbordaram
Entrou e saiu com um abajour
Logo com travesseiros e lençois e todas as coisas miúdas
Voltou, fez muito barulho e saiu com pedaços de madeira
Cama, criado mudo, guarda roupas
Aquilo havia deixado de ser um quarto
Era agora um cômodo vazio
Branco
Há muito havia passado a hora de voltar para o trabalho
Ele foi até a cozinha, bebeu um copo d´água, despiu-se
Pegou algumas toalhas brancas, uma cadeira e voltou para o cômodo vazio
Colocou a cadeira bem no centro e com as toalhas fez um circulo ao redor
trancou o cômodo vazio e com dificuldade engoliu a chave
Sentou-se na cadeira e simplesmente respirou
O sangue corria pelas suas veias
Cresciam os pêlos todos do corpo
Seus olhos viam, e escurecia quando piscava
Havia saliva em sua boca
Cresciam também suas unhas
Seus ouvidos ouviam todo o silêncio
Tudo numa lentidão infinita
Tirou sua própria vida
Percebendo antes disso que era a unica que realmente possuia
E tudo ficou mais Branco
A bola vermelha que se formou no chão parecia pipocar no meio do nada
Mas ficou tão Branco que até mesmo ela se perdeu
Tudo tão Branco, mas tão Branco que acabou